Por Marcio Claesen
Estreou nesta semana na Netflix Boots, história sobre um jovem gay que se alista na Marinha para fugir da vida que leva.
Baseada em caso real, a série mescla comédia e drama com um mocinho carismático e um vilão que rouba a cena.
Criada por Andy Parker, Boots foi inspirada em The Pink Marine, livro lançado por Greg Cope White, que serviu as Forças Armadas estadunidenses na década de 1970.
Homossexual no armário, White chegou ao posto de sargento em seus seis anos servindo até receber dispensa honrosa.
Boots leva a história para 1990, mas ainda que a sociedade fosse muito mais aberta - a união civil homossexual já era uma realidade na Dinamarca, por exemplo - a proibição para um gay ou uma lésbica servir as Forças Armadas permanecia.
Cansado de ser vítima de bullying no colégio, Cameron Cope (Miles Heizer) resolve seguir os passos do melhor amigo Ray (Liam Oh) e se alista.
A ideia, que parece estapafúrdia a príncipio, já que gays correm do Exército como o diabo da cruz, se traduz crível ao percebermos que se trata de um grito desesperado de um adolescente perdido e acossado.
Cope não tem dinheiro para fazer faculdade e vive com uma mãe e um irmão que o ignoram. Ele não vê perspectiva de futuro e sente-se um derrotado. É neste contexto que se alistar passa a ser a chance de se tornar um vencedor na vida.
Ray, o melhor amigo heterosexual, bem que tenta mantê-lo sob suas asas nos primeiros dias no quartel, mas eis que surge o Sargento Sullivan (Max Parker).
O antagonista começa a ser desenhado como o carrasco de Cope o separando do amigo e tornando a sua vida um inferno.
Porém, quando se imagina que a história se encaminharia para estereótipos de mocinho e vilão, eis que a complexidade do personagem vem à tona.
Sullivan guarda um segredo do passado - ele é gay - que vai se desalinhavando conforme sua situação no quartel se torna instável.
Se ao primeiro olhar, Parker é quase um deus nórdico de beleza etérea, aos poucos, o ator de 33 anos mostra que é muito mais além disso.
Todo o conflito que seu personagem vive transparece em suas falas e olhares. Os laivos de sensibilidade tentam surgir em meio à rigidez com que moldou sua personalidade para conseguir sobreviver.
Heizer também está bem na série e vai da vulnerabilidade do início à obstinação no final. Ele acerta no registro cômico, sem cair na caricatura de uma sessão da tarde e aos 31 anos se passa tranquilamente por um jovem de 17.
Destaque também para Vera Farmiga, que vive Barbara, a mãe alienada, que tem uma sequência memorável junto à mãe de Ray, Setsuko (Joy Osmanski).
Entre hits dance e pop rock da época e cenas de torturas física e psicológica, Boots se equilibra com vigor para falar de masculinidade, irmandade e a dificuldade de lidar com o diferente.
Se o sonho de quase todos os recrutas - de se formarem como fuzileiros navais - é realizado no final, fica a expectativa de mais histórias em torno de Cope para as próximas temporadas.