Controverso em vida, Madame Satã (1900-1976) continua dividindo opiniões. A ideia de tombamento de seu túmulo foi abraçada por parte dos ativistas, e rechaçada por outros.
No início do mês, o Grupo Arco-íris, um dos mais respeitados coletivos LGBT do País e que organiza a parada do orgulho do Rio de Janeiro, lançou abaixo-assinado pelo tombamento de seu jazigo.
Fala-se em um "ato de justiça histórica", que ele merece "ser lembrado com honra".
O texto lembra que tombamento histórico é um ato administrativo pelo qual o poder público reconhece o valor cultural, histórico, arquitetônico ou ambiental de um bem, seja ele móvel ou imóvel, público ou privado, e o protege legalmente, impedindo sua destruição ou descaracterização. O objetivo é preservar a memória e a identidade de um lugar ou objeto para as futuras gerações.
O túmulo está em Ilha Grande, Angra dos Reis.
Na semana passada, uma das maiores vozes do ativismo LGBT brasileiro se opôs a essa ação. Trata-se de Luiz Mott, decano do movimento e fundador do Grupo Gay da Bahia (GGB).
"O assassino Madame Satã não é herói nem representa o povo LGBT+" é o título de artigo escrito por Mott e publicado no Correio 24 Horas.
Mott explica que apoia iniciativa do Arco-íris e da Aliança Nacional LGBTI+ de tombar túmulos de personalidades LGBT para contrapor o que se fazia no passado com os "sodomitas", que tinham seus corpos queimados e cinzas dispersas para que não tivessem túmulo e não deixassem história.
Entretanto, o antropólogo considera acintosa a ideia de iniciar esse projeto justamente com um criminoso que não deve ser encarado jamais como herói ou "modelo de vida para a comunidade LGBT+".
De fato, Madame Satã - nome pelo qual ficou conhecido o pernambucano João Francisco dos Santos - passou mais de 27 anos de sua vida preso.
Sua ficha criminal inclui três homicídios, 13 agressões e dois furtos, dentre outros delitos. Um dos assassinados teria sido Geraldo Pereira, sambista famoso nas décadas de 1940 e 1950.
Gay asssumido, Satã foi transformista em várias boates da Lapa, zona central do Rio, além de vigia e outras profissões. Seu embates com a polícia foram inúmeros durante décadas.
No artigo, Mott sugere outros nomes que poderiam iniciar o projeto de preservação de memória por meio de tombamento de túmulo, tais como a artista Rogéria (1943-2017), o teatrólogo Pascoal Carlos Magno (1903-1984), o artista plástico Hélio Oiticica (1937-1980), o ator Ney Latorraca (1944-2024), a poeta Elizabeth Bishop (1911-1979) e o cantor Cazuza (1958-1990).