Trans é expulsa de universidade acusada de fraudar cota trans

Instituição baiana desligou Jô Magalhães do curso de medicina. Ex-aluna denuncia que não houve argumentação para medida

Publicado em 15/12/2020

                             

Jô Magalhães - transexual aluna da UFSB é expulsa acusada de fraudar cota trans
Joana, que é chamada no feminino pela instituição, relatou ter sido ameaçada por travesti

Jô Magalhães, de 34 anos, teve na sexta-feira 11 sua matrícula cancelada no curso de Medicina na Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB). O motivo: ela é suspeita de fraudar cota para transexuais.

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Jô, que também se identifica como Joana, é transexual e foi alvo de denúncia na instituição. Ela afirma, porém, que não houve transparência no processo e que sequer foi avisada pelo Conselho Universitário de seu parecer.

"Não respeitaram minha identidade de gênero. Decidiram a qualquer custo que iriam me tirar de lá. A UFSB me destrói, mas isso tudo só serviu para me libertar das amarras da sociedade machista e transfóbica", afirmou Joana ao Me Salte.

"Eles definiram que eu seria um ‘judas para dar exemplo’, mas não se preocuparam com o lado humano. Em nenhum momento do processo a UFSB deixou claro que bases usaram para definir minha transgeneridade ou não. Foi um processo injusto."

"Não foi planejado para fraudar nem para nada, mas foi planejado sim para eu me livrar de toda máscara e fantasia que eu usava, foi o primeiro dia que sai de casa sem a fantasia que levei por tanto tempo, era a ressurreição da Joana Largon. Mas claro, nada seria fácil pra mim, eu não tinha o padrão (se é que existe padrão) para ser uma trans, e me denunciaram por fraude no processo. Sinceramente, nem culpo quem denunciou, afinal é um direito e as coisas precisam ser esclarecidas (acho essa palavra meio racista). Foi aí que começou a saga da minha determinação de gênero na UFSB", explica.

Jô conta que uma comissão com professores - que, segundo ela, integram a comunidade LGBT - foi incumbida da tarefa de realizar um relatório "afirmando se eu era ou não trans segundo a concepção deles". "Mesmo os três sendo da psicologia e o Conselho Federal de Psicologia dizendo que nenhum profissional psicólogo pode interferir na autodeterminação de uma pessoa."

Fraude e ameaça
A ex-estudante acusa o relatório de fraude, pois não conversaram com seus amigos ou familiares. "Apenas disseram o que quiseram e pronto." Ela tambbém afirma que o parecer não diz que ela não seja trans.

Ela também conta que foi exposta e humilhada em grupos de conversa e ameaçada por uma aluna travesti.

"Eles vazaram o documento da minha expulsão e sequer [sic] me disseram como deveria ser o processo para recorrer. Eu soube que tinha sido expulsa por terceiros, quando virei chacota nos grupos, fui exposta, fui humilhada, até ameaçada por uma travesti da UFSB eu fui, que disse que eu ia levar uma surras das travestis de Teixeira [de Freitas] que eu ia ser trans, mas espancada."

Jô afirma que recorreu dessa decisão inicial, mas acabou tendo a matrícula cancelada no último recurso na instituição.

"Assumir minha trangeneridade foi muito mais que uma vaga para medicina, foi um grito de liberdade, foi ressuscitar quem eu sempre fui, foi mesmo que de forma comedida, poder usar as roupas que sempre quis, ser chamada como gosto, ter o direito de pintar minhas unhas, de usar batom e estar nem aí porque me sinto segura. Quando a UFSB determina que minha identidade de gênero não é minha e subjetiva e é ela quem o define, ela me mata, mata minha liberdade, mata minha alma. E hoje não estou disposta a voltar atrás e matar mais uma vez a Joana como fiz no passado, se alguém tiver que morrer que morra a carne, não só a alma."

Resposta da universidade
Em contato com nossa reportagem, a assessoria da universidade nos encaminhou o seguinte comunicado:

"A Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB), a respeito do caso em tela, informa que:

i) após corridas todas as etapas do processo originado por denúncia de ocupação indevida de vaga supranumerária destinada à pessoas Trans egressas de escola pública, por meio da Ouvidoria da instituição;

ii) tendo garantido todos os prazos recursais e o amplo direito de defesa à estudante nas instâncias asseguradas pela legislação e pelo Comitê de Acompanhamento de Políticas de Cotas (CAPC), indicadas na Resolução Consuni 26/2019;

iii) o Conselho Universitário, em reunião extraordinária realizada na última sexta-feira (11) pela manhã para análise do recurso impetrado em segunda e última instância, deliberou pela manutenção do cancelamento da matrícula da estudante.

Seguimos à disposição. Atte.


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